Chegam devagarinho. A medo. Primeiro meia dúzia, depois outra meia e a seguir mais uma dúzia e meia. Cada mulher com uma criança na anca e uma roda delas em volta das saias garridas de capulana. Cochicham entre elas e riem de mim ou para mim, não consigo perceber. O Mário, o guineense que me acompanha, escancara um sorriso: É a primeira vez que veem uma mulher branca. Querem tocar no teu cabelo. Benvinda a África!
E foi assim, com um mundo de mãos a passear nos meus caracóis, que fui recebida no berço do mundo. E é amor. Até hoje é amor. Mesmo que de vez em quando lhe dê umas facadinhas com os outros continentes é a África que volto sempre para viajar em conchinha.
É assim que gosto de recordar a minha primeira vez na África profunda. Mas vou-vos confessar uma coisa, a verdadeira primeira vez não foi esta e não foi amor. A primeira vez na áfrica subsariana entenda-se. Senti-me profundamente defraudada. Como assim não se avistava o Rafiki com o Simba nos braços no cimo de uma falésia; como assim aquele calor dos infernos que me encharcava a roupa, logo a mim que não transpiro; como assim todos a olharem para mim como uma caixa multibanco com pernas?
Onde estava a vastidão das planícies sarapintadas com bichos? O por do sol cor de sumo de laranja natural? O cheiro a terra de que falavam, de olhos embaciados, os ex-combatentes no ultramar? Que afronta! Que ultraje!
Em breve regressamos a África. Regressamos à condução esquizofrénica dos locais, onde as buzinas fazem de piscas, de olá, de travão e acelerador, aos mercados de cheiros pungentes e frutas com nomes impronunciáveis, a toda uma legião de insetos preparada para fazer um brunch no nosso corpo, àquele ritmo leve e indolente a que nos custa tanto habituar do “as coisas acontecem quando acontecerem”, a comer mancarra cozida, akara e mandazi até enjoar e suspirar por uma sopa de grão bem portuguesa.
Mas, regressamos também a amanheceres com banda sonora de araras e macacos, a pores-do-sol tântricos, ao assombro das paisagens que se espraiam languidamente pela terra cor de tijolo, aos quilómetros feitos ao som de uma morna, um Isicathamiya ou um coupé-décalé, só para variar, aos sorrisos com os dentes mais perfeitos do universo, a encontros diários com Timons e Pumbas em 3D, aos laços de cabeça, saias e vestidos que parecem pintados a quatro mãos por Piet Mondrian e Leonid Afremov, à savana prenhe de vida mas também de morte.
Sim, em breve estraremos a dormir numa tenda sobre o teto do jipe embalados no colo da mãe África, com um céu tão, mas tão estrelado que a velha piada sobre estarmos no hotel com mais estrelas do mundo não vai parecer uma piada, vamos trocar as histórias antes de dormir, com astronautas e piratas, pelas aventuras de Vasco da Gama, Fernão de Magalhães e David Livingstone e, para adormecer, ao invés de contar carneiros, vamos contar chitas, para o sono chegar mais rápido e o dia seguinte ainda mais, para mais África, as mãos cheias de África a passear pelos caracóis do meu cabelo.
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2 Responses
Olá, vamos para a Africa com minha filha de 2 e 10 meses. Vi que tem Safaris restritos de acordo com a idade, quantos anos tinha seu filho quando foi? qual indica? Beijos
Olá Denise! No primeiro safari, no Masai Mara, era um pouco mais novo que a sua filha. Na entrada do parque mencionaram que a idade mínima era 3 anos mas deixaram entrar sem problemas. O melhor será sempre falar com o hotel ou empresa que a levará no safari. Mas como já tem quase 3 anos penso que não haverá problema. Beijo!